Tuesday, April 22, 2008

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Enviado por Aydano André Motta - 20.4.2008 | 22h50m
Tem hora que desanima

A justiça das pedras

O que foi, Deus do céu, aquele espetáculo de histeria, na porta do 9° DP, em São Paulo, durante o depoimento do pai e da madastra da menina Isabella, na sexta-feira? A multidão em fúria, a clamar por linchamento, a xingar e pichar muros com acusações e ofensas aos suspeitos e, pior, a todos os seus parentes, amigos e advogados, só feriu mesmo - profundamente - a noção de estado democrático de direito, que, a gente constata a cada evento do tipo, ainda engatinha, sem a menor firmeza, no Brasil. Tristeza, muita tristeza.

Atiraram uma pedra, no carro que conduzia o pai e principal suspeito pelo crime terrível, e acertaram nossa sociedade inteira, cada vez mais mergulhada numa intolerância que jamais conduzirá à virtude. Foi gente de perto e de longe, berrar por justiça, se esgoelar pelo martírio dos réus que já condenaram, no rito mais sumário. Ninguém quer esperar, todo mundo tem pressa. Pouco importa se não houver certeza absoluta de que a verdade é o que reivindica a maioria.

E o poder público fez sua parte - montou cordões de isolamento e até instalou banheiros químicos, para garantir à platéia as melhores condições na hora de assistir ao espetáculo. Teve, inacreditável, bolo e parabéns pelo aniversário da menina assassinada - além, claro, do protocolar comércio informal de comes e bebes, obrigatório em aglomerações de todo tipo. O circo armou-se completo, em pleno dia útil da maior cidade da America do Sul.

A lição que não interessa a ninguém ensina que o bafafá da sexta-feira paulistana descreve, de maneira eloquente, como vai mal o Brasil. Temos motivos de norte a sul para nos revoltar - sem sair do assunto, morrem duas crianças, como Isabella, coitada, assassinadas por dia no país. E mais milhares de jovens, principalmente pobres, principalmente pretos, nos guetos de nossas metrópoles. Mas por eles e por elas, só choram seus parentes e amigos. Ninguém mais liga a mínima.

Os brasileiros escolheram a intolerância. Picham a casa dos pais dos suspeitos, como se eles fossem responsáveis pelo crime que lhe atravessou as vidas, levando a neta de apenas cinco anos. Entendem como ofensa a democrática presunção de inocência - aquela, do "todo mundo é inocente até prova em contrário" - e, ao berrar por justiça, clamam, na verdade, por justiçamento.

Parágrafo que será ignorado pela insensatez que também grassa por aqui, na caixa de comentários: o blog não está defendendo a inocência de assassinos, nem tenta acobertar marginais, tampouco conforma-se com a impunidade. Não, de jeito nenhum. Só entende que da insensatez não nascerá um país justo - aquele que todo mundo de bem deveria buscar.

Chico Buarque, que sabe tudo, constatou, numa entrevista alguns anos atrás, que o Brasil vivia um certo "direitismo de salão". Como um dia foi chique ser de esquerda, hoje é bacana ser de direita, fazer piada racista, diminuir e espezinhar os desvalidos. Foi modesto, o poeta. Vivemos, sim, uma era de individualismo, intolerância, egoísmo, covardia, preconceito. Muito além de matizes políticos.

A democracia em sua plenitude, com cidadania para todos, é algo difícil de se construir. Exige paciência, grandeza, tolerância, boa vontade, convicção. A sociedade do olho por olho, do insulfim, das grades, das guaritas, do trânsito selvagem, da agressividade nas ruas e violência nas arquibancadas - a sociedade brasileira - ainda tem um longo caminho até lá.

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