Sunday, November 9, 2008

Jorge Bastos Moreno - O Globo

7.11.2008 | 16h13m

RELATÓRIO
Negros correm mais riscos de serem assassinados, revela Saúde Brasil


O dia 23 de dezembro de 2003 vai ficar marcado para sempre na vida de José Jocimar Moraes da Silva. E também no seu corpo. Quando comemorava o seu vigésimo sexto aniversário, Marabá, como é conhecido, teve sua festa invadida por três pessoas que o esfaquearam duas vezes e o agrediram a pauladas. Desmaiado, foi levado para o hospital, onde ficou três meses para se recuperar de danos nos rins. Ao receber alta, pegou uma mochila e, a pé e de carona, cortou os 1.682 km que separam Marabá (PA) e Brasília. O jovem, negro, que havia estudado apenas até a quarta série fugia da violência.

— Eu não confio em ninguém. Se você confiar, sabe que vai ser traído. Não confio nem na polícia, nem na Justiça. São tudo uns traíra— diz Marabá, hoje com 38 anos, lavador de carros em um movimentado estacionamento do Plano Piloto, em Brasília.

Marabá engrossa as estatíscas apresentadas pelo ministério da Saúde ontem, no relatório Saúde Brasil 2007. O documento revela que pessoas de raça negra têm três vezes mais risco de serem assassinadas que as demais. O estado onde essa tendência é mais forte é a Paraíba, onde os negros têm nove vezes mais chances de serem assassinados que os brancos. Em 2005, a taxa de homicídios entre negros paraibanos foi de 30,2 para 100.000 habitantes, enquanto entre os brancos o índice foi de 3,3 assassinatos. Em seguida vem Alagoas e o Distrito Federal, com risco quase seis vezes maior para os negros do que para os brancos. No país, enquanto apenas 36,1% dos brancos morrem antes dos 70 anos, quase metade dos negros (48,9%) morre antes de chegar à terceira idade.
Para o ministério da Saúde, os dados ilustram a ainda presente desigualdade social no país.

— A raça funciona como variável do nível sócio-econômico, que, no caso dos negros, os predispõem a um maior risco de morte— avalia o diretor do Departamento de Análise de Situação da Saúde do ministério, Otaliba Libânio.

Marabá, que largou duas filhas com quem nunca mais teve contato, a mãe e o pai, conta que sempre conviveu com a violência em casa. Membro de uma família com 24 filhos, ele diz que o pai, alcoolizado, costumava bater na mãe e nos filhos. A falta de oportunidades o levou a deixar a escola e arrumar um emprego no lava-jato do bairro de Cidade Nova, periferia de Marabá.

— Na cidade onde eu morava, só arrumava emprego bom quem tinha peixada.

Há doze anos em Brasília, Marabá pensa em um dia voltar para o Pará, mas diz estar feliz na capital federal, onde mora na cidade-satélite de Taguatinga com a mulher.

— Aqui tô me virando melhor que lá, tem mais emprego e não tenho inimigos, graças a Deus. Aqui é muito menos violento. Marabá é perigoso.

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