Wednesday, April 15, 2009

Na falta do que escrever... direto da Coluna do Góes

Enviado por Aydano André Motta - 13.4.2009 | 16h22m

Pensar, livre pensar
Adriano e a favela


O site da turma da coluna abre orgulhosamente espaço para um artigo de Dimmi Amora, premiado repórter da Editoria Rio, e dono de um texto poderoso.

O assunto: Adriano. Orientação segura: é leitura obrigatória.

Adriano, o doente

Dimmi Amora


Adriano está doente. É o que dizem. Não consegue ser feliz fora da favela, o lugar onde nasceu mas que já não deveria ser mais de seu gosto depois de tanto dinheiro e fama que conseguiu. É o que pensam. Pois mais doente que o craque está quem imagina que Adriano não pode ser feliz na favela. E, especialmente no Rio de Janeiro, esta doença é praticamente epidêmica. É a aversão a qualquer coisa que se relacione com as favelas, uma espécie de favelafobia.

Durante uma semana, viveu-se na cidade uma comoção pelo sumiço do atleta. Ao se descobrir que ele esteve por três dias na Vila Cruzeiro, a sociedade de um modo geral foi tentar explicar seu "problema". E nas manchetes da maior parte da imprensa, verbalização do pensamento corrente, o que se viu foi um espetáculo de preconceito de quem acha que tudo relacionado à favela é ruim. O destaque era sempre para os fatos que levavam o leitor a imaginar que o atleta só estava envolvido com o que há de pior lá. Ainda que estas não fossem as informações passadas pelas fontes primárias de informações.

Um delegado deu entrevista dizendo que Adriano esteve na favela e se encontrou com traficantes, mas que o jogador não era usuário de drogas ilícitas e não tem relação com eles. O destaque foi para o encontro com os criminosos do local que nasceu. Pois bem, se você, caro leitor, vai a um condomínio de luxo, senta na piscina ao lado de um conhecido da infância que virou bicheiro, político corrupto ou banqueiro fraudador e bate um papo com ele sobre o tempo, as crianças e o passado, isso o tornará criminoso? Pois se fosse na favela e o encontro com o criminoso de lá, você viraria traficante.

A ex-atual-futuro caso do jogador diz que já foi várias vezes à favela onde Adriano estava, que dormiu com ele lá e que a Vila Cruzeiro é o lugar em que se sente o verdadeiro Imperador. E diz também que já o tirou da favela várias vezes. E o que ganha destaque é que ela já tirou Adriano da favela várias vezes, como se a garota estivesse fazendo um grande bem para o jogador mas que o pobre coitado não tem jeito: volta sempre para... aquele lugar. Estamos mal, caro leitor. Neste diapasão, a partir de agora a pelada, o carteado ou aquele chopinho do fim do dia - de onde não queremos sair e, vez por outra, somos tirados a fórceps por nossas parceiras - serão os grandes males do mundo para onde não poderemos voltar (sem preconceitos, a loja de roupa e o salão para as meninas têm a mesma função metafórica).

O fato é que depois de todos os boatos, Adriano foi a público e contou sua história. Estava deprimido, triste com suas escolhas, sentia-se pressionado pela profissão que escolheu. Decidiu se isolar em um lugar para chutar o balde. Este lugar é onde ele encontra paz de espírito, se sente bem. O lugar onde é conhecido pelo apelido, onde não é necessário usar as máscaras que precisamos para encarar os desafios da vida profissional.

Este lugar é a Vila Cruzeiro. Adriano queria soltar pipa, conversar com amigos, andar de chinelo e bermuda, culturas típicas e saudáveis da favela. Sim, favela tem cultura (entendida aqui como modos de fazer, agir e pensar) boa e cultura ruim, gente boa e gente ruim, como em qualquer área da cidade. Porque favela é um lugar da cidade, como é o condomínio fechado, a rua com cancela, o prédio de 20 andares, o bairro. Sem aceitar isso, nunca esquecendo que elas podem se integrar de forma muito melhor que hoje à cidade, vai restar apenas o delírio onírico de que num dia todas elas vão desaparecer do mapa.

Profissional da bola desde os 11 anos, quando a maioria de nós ainda não deixou os carrinhos e a bola de borracha, Adriano, aos 27, estava querendo recuperar o tempo que trocou por treinos, concentrações e viagens. Pois bem. Quando um grande empresário, executivo ou artista resolve largar tudo - pelos mesmos problemas do atleta - e vai para a fazenda do avô ou para uma praia deserta, o máximo que consegue-se expressar sobre este fato é que o personagem é excêntrico. Mas Adriano, o da favela que volta à favela, é doente.

Adriano tem um problema sim, talvez médico, e que, provavelmente, o faz abusar de drogas (que ele diz serem apenas as legais). Não está feliz com sua profissão e tudo que a envolve, incluindo aí a pressão do público e da mídia. Por este problema passam milhões de pessoas todos os dias no mundo todo. Algumas preferem se esconder na mediocridade e permanecem infelizes onde estão, mas com o dinheiro das contas para pagar sendo depositado no fim do mês. Adriano fez outra escolha. Prefere parar tudo, repensar a vida, buscar novos caminhos e começar de novo.

Se Adriano quiser voltar a ser profissional de futebol, terá realmente que fazer um tratamento. Ele terá que aprender a ser feliz na Vila Cruzeiro e fora dela também. Mas, certamente, não estará em seu receituário abandonar a favela para ficar curado. Se a escolha dele for por ser peladeiro e abrir uma birosca na favela, que seja feliz. O lugar onde cada um encontra a paz de espírito não deve ser motivo de crítica de ninguém. E para a clínica que muitos recomendaram a Adriano deve seguir cada um que não admite que alguém possa ser feliz na favela.

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