Monday, June 13, 2011

E eu achei que seria fácil...

É, amigos, a situação é bem desagradável.


Eu, que sempre apontei o dedo para os colegas que diziam não conseguir controlar seus alunos fui vencida por 4 turmas da EM Alberto Rangel.

É um processo que teve início em 14 de fevereiro e mostrou sua face completa no dia 15. Sei as datas porque soube a arapuca em que estava entrando logo nos dois primeiros dias de aula na rede.

Não adianta eu falar sem parar sem explicar mais ou menos como sou eu, alessandra, professora: eu não grito. Meu esporro é mais papo do que qq coisa e sempre que se trata de algo mais sério eu termino tremendo da cabeça aos pés. Detesto dar bronca em aluno. Chamo no canto, do lado de fora da sala, e converso, olho no olho. Não gosto de humilhar ou tirar onda com cara de aluno na frente dos outros alunos. Respeito para ser respeitada. E sempre consegui o que quis: o respeito. Isso para mim é mais importante do que o acar tirar 10 em história. É algo que muitas vezes eles não conhecem. E assim eles aprendem a pedir por favor, desculpas, obrigado, a tirar o boné antes de entrar em sala, a guardar o celular com um simples olhar meu. E isso é um trabalho em conjunto.

Na terça, 15 de fevereiro de 2011 eu voltei para casa com os olhos marejando, um nó na garganta, perguntando-me "o que eu fiz de errado?" "Será que em um ano longe de sala (por conta do nascimento de Anthony) eu desaprendi?"


Era um mundo totalmente diferente de tudo o que já havia visto, mas muito parecido com aquelas super reportagens sobre educação, com aqueles exemplos horríveis, de professores derrotados, doentes, carrancudos e alunos que mais parecem recém saídos de uma castigo sentados direto para um parque de diversões: loucura total. Quatro turmas de sexto (1), sétimo(1) e oitavo anos (2). EXtremamente desbocados. Acho que isso foi o que mais me chocou. eles gritam um FODA-SE bem na sua orelha como se vc não estivesse ali. Olham para a sua cara como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Estou esquecendo da violencia. Nada de fala, para q? Mais fácil é agredir o colega. E qdo eu pedia: "vcs podem parar?" muitas vezes eu ouvia "não" e a porradaria continuava. Eu entrava em sala e ninguém me notava. Só a 1601, já que são crianças de 10, 11 anos, e mostraram-se mais fáceis de cativar do que os adolescentes de 13, 14. Eu explicava a matéria para dois, três alunos em quase todas as aulas. Quanto mais alto eu falava, mais alto eles falavam. Ate eu ficar sem voz. Minha garganta dói desde março. Tenho dores de cabeça, dores no corpo. Meu casamento começou a virar um inferno, eu só grito dentro de casa, não consigo falar baixo.


Quantas vezes tentei conversar com eles, quantas vezes perdi a paciência, até que me tornei uma professora burocrática: matéria no quadro, exercícios e depois de 20 minutos, respostas. Silêncio. Total silêncio. Minha estratégia de desespero. Já havia feito isso em Guaratiba e deu super certo. Na CDD o efeito foi contrário: eles pioraram e não fizeram mais nada. Fugiam cada vez mais da sala, gritavam, cantavam, me ignoravam. Lembro de uma bronca em que um aluno me interrompeu e disse: "tá bom, tá bom, professora, a gente já entendeu, agora continua a aula, tá?" Eu fiquei sem palavras e sentei. Ele virou para trás e continuou a conversar. Acho que ali eu acabei um pouco. Era muito pouco caso. DEpois parti para o papo do respeito ao trabalho alheio. Nada feito. Então... Fazer o quê?


Semana passada conversei com uma colega de português, matrícula nova, sobre minha possível saída. O que ela fez? Correu para falar com a diretora. Quando eu me dei conta, ela a diretora, estava indo em todas as turmas conversar com os alunos sobre o comportamento e a possibilidade de eu sair. Depois fui falar com a coordenadora. Chorei e recebi muito apoio, todos sabem a dificuldade de estar ali a alguns sabiam da minha dificuldade. Não fui trabalhar o resto da semana pq Anthony ficou doente. Tive a certeza de que o certo para mim era sair. Passar as manhãs com meu bebê na praça jogando bola e tomando sol.


Hoje, segunda, fui para encerrar meu ciclo: marcar a última avaliação para quinta, não ir na terça e deixar a papelada toda pronta para o fim do bimestre semana que vem. Último dia de sala, quinta, 16. Conversei com as turmas, ouvi muitas piadinhas e alguns pedidos para ficar. No geral, acho que não vai fazer muita diferença para eles eu ficar ou sair. Eles não se importam. E não digo isso triste. É a realidade e estou bem acostumada com ela. Nessa idade, na rede pública, poucos se importam. Alguns poucos que se importem estão perdidos e já sabem das consequências. Eu quase morri de vergonha com o aluno Jonathan colocando argumentos de primeira: falta de professores, a CRE não indica a escola para os professores novos, ficaremos prejudicados. Não tinha palavras para dizer a ele: eu não aguento mais. DEpois de alguns minutos ele mesmo admitiu que eu devia cuidar mais de mim, porque a maioria ali não queria nada mesmo.



Mas algo incrível aconteceu no recreio. Um grupo de professores ao saber de minha decisão fez uma pressão incrível para eu ficar, por todas as razões possíveis: boa profissional, dificuldade de lotação da escola, não me deixar vencer por alunos, não fazer o que eles querem - sair, gostamos de você. Mais uma vez chorei e recebi abraços sinceros, tenho certeza. Os dois tempos seguintes, coordenadora e mais 2 professores visitando minhas turmas para explicar tudo o que implicaria a minha saída - falta de professor, escola mal falada, dificuldade de lotação, péssimo comportamento, meu estresse, minha fadiga.




Ao mesmo tempo em que me senti feliz, a frustração veio maior ainda: eu não posso ficar lá. Frustraria o esforço dos meu colegas, mas não posso continuar lá. Minha cabeça ainda dói. Eles não vão melhorar, não de uma hora para a outra e eu estou doente. Minha imunidade está baixa. Tenho vários probleminhas de saúde pipocando pelo meu corpo. Minha garganta está inflamada há 2 meses, não consigo falar alto em sala, perco a voz. Isso depois de 4 meses em uma escola. Nunca fiquei assim em nenhuma das escolas nas quais dei aula, todas municipais. E passei por bons momentos de desânimo em Guaratiba, momentos críticos quando demos aula em uma escolinha de madeira, em 3 turnos, sem secretaria, sem sala dos professores, sem nada. Nunca fiquei como estou agora.



Por isso preciso sair. Parte do problema é a direção que não valoriza o professor, só chega junto quando a situação é crítica, não sobe as escadarias da escola; a direção que fala para um aluno de 12 anos que ele não presta; que fala para uma menina de 13 que ela não serve para nada. Outra parte é um grupo de professores em que se escuta que existem "negros de alma branca" ou que "até sairia com umas negrinhas, sem problema algum". Isso numa escola com 80% de alunado pretos. Tem também aquele professor que te aconselha a dar umas coisinhas para eles pintarem, porque eles gostam de pintar. Notando que eu sou professora de História. Recuso-me a tratar meus alunos como crianças de ensino infantil. Pedir para eles pintarem a Bastilha? MAchu Picchu? Napoleão?

Onde está o problema? Em mim? Nos alunos? Nos pais? Nos mais cansados que eu? Nos que chegam? Nos que não se importam? Na SME? Na PCRJ? Onde?